Colégios de Coimbra, o “bode expiatório” de um acordo

 

Ontem, fui surpreendido com o texto de um acordo entre a AEEP e o Ministério da Educação, que de tal só tem o nome. Depois de longas negociações, que fui acompanhando, surgiu um acordo. No final da reunião geral das escolas com contrato de associação tive acesso ao texto integral. Pasme-se: em Coimbra, três escolas são alvo privilegiado do Ministério, com o beneplácito da AEEP, determinando-se o seu encerramento. Na prática, nenhuma das condições que “favorecem” as outras escolas se aplica a estes colégios. Traço comum: ambas escolas de matriz católica. Leitura: uma obsessão tornada realidade.

Um estudo encomendado pelo Secretário de Estado veio justificar o desejo de partida: fechar estas escolas; aliás, parece que foi este aspecto que fez prolongar as negociações, uma vez que se tratava de ponto de honra.

 

Passando em revista o “famoso estudo” de conceituados académicos, verificamos que omite propositadamente legislação ainda em vigor e que haveria de nortear, também, quer a análise quer as suas conclusões, nomeadamente, a lei de Bases do Sistema Educativo, no seu artº 58º. Por desconhecimento, por falta de tempo, ou outro motivo, foi ignorada. A falta de rigor vai ao ponto de, para além de dados não referidos, conter erros de simples aritmética. As soluções para que o estudo aponta são lotar as escolas, onde quer que estejam e em função da residência, fazer desaparecer o Contrato de Associação quanto antes, ainda que para isso se ampliem escolas estatais ou construam novas ao lado. Num País como o nosso, a isto chama-se boa gestão de recursos e bom planeamento. A menos que se junte o útil ao agradável e para além de se fazer desaparecer as escolas particulares do serviço público de educação se arranje mais uns contratos de construção para alguém.

Procura-se demonstrar que estas escolas excluem alunos carenciados, pelo que não cumprem um serviço público de educação aberto a todos. Em defesa dos princípios e valores que pautam estas escolas, devo dizer que são escolas com 1º ciclo não financiado pelo Estado. Ora o despacho nº 14026/2007, de 3/7, define as condições de matrícula e renovação de matrícula para todas as escolas. Depois das duas primeiras prioridades dedicadas a alunos com necessidades educativas especiais que acolhemos (e temos muitos), a seguinte destina-se a alunos “que frequentaram, no ano lectivo anterior, a educação pré-escolar ou o ensino básico no mesmo estabelecimento”. Podemos discordar das prioridades mas são as que estamos obrigados a seguir, conforme o dispositivo legal. Daqui decorre que, no caso do Colégio de São Teotónio, em três turmas de 5º ano, apenas uma é constituída por alunos vindos de outras escolas, e é neste universo que se encontram os alunos dos escalões A e B da ASE que têm entrado, seguindo-se as restantes prioridades definidas na lei. Penso que a administração educativa regional poderá confirmar esta nossa prática.

Mesmo que se censure a frequência de alunos de famílias mais abastadas em sede de contrato de associação, ela não sofre nenhuma discriminação na escola estatal, nem tem de sofrer. A discricionariedade e justiça social faz-se pela via fiscal, não pelo direito à educação gratuita universalmente consagrado. Preconceitos, com tiques totalitários; como católico, declino qualquer lição de moral, neste particular.

Determinado o fim do contrato de associação para o Colégio de São Teotónio por um acordo aceite pela AEEP merece o meu absoluto repúdio; havia de salvaguardar também as escolas associadas mais pequenas, pois nas grandes, com dezenas de turmas, o ajuste é superficial. Entendo a falta de solidariedade que a direcção da associação não foi capaz de gerir, mas não me revejo na sua acção. Proporcionalmente e em justa medida, um “acordo possível” não deveria deixar nem uma só escola sem uma melhoria, ainda que ligeira, em relação à proposta inicial; sem isto não poderia haver acordo algum.

Por Coimbra e pelos seus cidadãos apenas lamento. Aqui nasceu e se consubstanciou um retrocesso social. Por Coimbra e pelos seus cidadãos continuaremos a dar o nosso melhor à educação dos nossos alunos.

Não serão sopros da sociedade do avental, o compadrio de amigos e colegas de gabinete ministerial ou a frustração de não ter sido proprietário de um Colégio que me demoverão de continuar a acreditar na liberdade, também liberdade de educação, numa pluralidade que há-de compor saudavelmente a sociedade portuguesa. Aprender e ensinar é um direito que não pode ficar reduzida a uma oferta única ou à capacidade financeira de alguns.

Não cederei nem um milímetro naquilo que seja a salvaguarda dos direitos dos nossos alunos, das famílias e dos nossos trabalhadores. Chegados a este ponto, o Estado pagará até ao último cêntimo aquilo a que está obrigado por força contratual.

O Colégio de São Teotónio, com quase 50 anos de história, ainda verá passar muitos governos. Esta é uma determinação minha, nem que para isso tenha de dar aulas gratuitamente. E sei que não estou só, outros me seguirão com o mesmo espírito, continuando a dar corpo a um projecto humanista cristão em que acredito e ao qual dedico a vida quase por inteiro. Os cristãos não morrem assim, morrem por causas!

Padre Manuel Carvalheiro Dias
Director do Colégio de São Teotónio
http://www.asbeiras.pt/2011/02/colegios-de-coimbra-o-%E2%80%9Cbode-expiatorio%E2%80%9D-de-um-acordo/ 


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